Nutricionista Hugo Canelas
Nutricionista Hugo Canelas
14 Ago, 2023 - 15:00

Quais as consequências de retirar a gordura da dieta?

Nutricionista Hugo Canelas

Será que retirar a gordura da dieta tem consequências negativas? Saiba o que diz a evidência científica e como deve seguir uma dieta equilibrada.

Retirar a gordura da dieta: variedade de alimentos

A pensar mudar a alimentação para perder peso? Precisa de estar a par das consequências possíveis de retirar a gordura da dieta.

Durante décadas, as guidelines oficiais recomendaram uma ingestão média de gorduras que rondasse os 30% do total calórico diário. Mas algumas críticas surgiram no sentido de alterar essa recomendação. Assim, de acordo com as recomendações mais recentes, o limite superior de ingestão de gorduras deixou de ser especificado.

Vários estudos mostraram que a quantidade de gordura ingerida tem um impacto mínimo na redução do peso e um impacto nulo no risco de doenças cardiovasculares e cancro.

As gorduras são uma parte fundamental da dieta, mas “descobrir” qual a quantidade certa a ingerir pode ser um pouco confuso.

Neste artigo exploramos as consequências de retirar a gordura da dieta.

O que são as gorduras?

Retirar as gorduras da dieta: o azeite

A par das proteínas e hidratos de carbono, as gorduras ou lípidos são um dos 3 macronutrientes base de qualquer dieta.

Os ácidos gordos (lípidos) podem ser agrupados de acordo com a quantidade de ligações duplas existentes nas suas cadeias: monoinsaturados, poliinsaturados, saturados e trans.

Ácidos gordos monoinsaturados

Estão naturalmente presentes na forma líquida e são relativamente estáveis para efeitos culinários.

O melhor exemplo de ácido gordo monoinsaturado é o ácido oleico, um dos maiores constituintes do azeite.

Os ácidos gordos monoinsaturados estão associados a vários benefícios para a saúde, incluindo a redução do risco de doenças crónicas e promoção da sensação de saciedade, fator que pode estar associado à perda de peso.

Ácidos gordos poliinsaturados

Apresentam duas ou mais ligações duplas e, conforme a localização dessas ligações, dão origem a diferentes moléculas como os ómega-3 e os ómega-6.

Peixes gordos como o atum, cavala e sardinha são exemplos de alimentos ricos em ómegas.

Os ácidos gordos ómega-3 estão comprovadamente associados à diminuição da inflamação e ao risco de doença cardíaca, diabetes e depressão.

Pelo contrário, os ómega-6 são muito comuns nas dietas modernas e têm uma natureza maioritariamente pro-inflamatória, especialmente quando a ingestão de ómega-3 é baixa.

Gorduras saturadas

As gorduras saturadas podem aumentar o mau colesterol (LDL) em algumas pessoas, embora isso dependa do tipo específico de ácido gordo consumido.

No entanto, no geral, os estudos sugerem que o consumo de gorduras saturadas tem um efeito neutro na saúde e não aparentam contribuir de forma significativa para a evolução das doenças cardíacas.

Gorduras trans

O consumo de gorduras trans – ou artificiais – está associado a um aumento da inflamação assim como alterações do perfil lipídico e acumulação de gordura à volta dos órgãos.

Este tipo de gorduras é frequentemente encontrado em margarinas e tudo que as contenha como produtos de pastelaria, bolachas e biscoitos.

Funções e benefícios das gorduras

Os benefícios da gordura sentem-se ao nível…

  • Da energia: cada grama de gordura fornece 9 calorias – mais do dobro fornecido por proteínas e hidratos de carbono – fazendo das gorduras ótimas fontes de energia.
  • Da regulação hormonal e de genes: as gorduras regulam a produção de hormonas esteroides e reprodutoras, bem como os genes envolvidos no crescimento e metabolismo.
  • Do sistema nervoso central: a ingestão adequada de gorduras é importante para a saúde do cérebro, incluindo o estado de humor.
  • Da absorção de vitaminas: as vitaminas A, D, E e K são lipossolúveis, o que significa que a sua absorção está dependente da presença de gorduras na dieta.
  • Do sabor e saciedade: um alimento com mais gordura é mais saboroso e, devido à alteração da taxa de esvaziamento gástrico, também mais saciante.

Para além das anteriores, as reservas de gordura corporal funcionam como isolantes térmicos, proteção dos órgãos e fontes energéticas em casos de carência.

5 Riscos de retirar a gordura da dieta

cansaco durante o treino fatores a ter em atencao

Retirar a gordura da dieta: sistema nervoso central

O cérebro é constituído maioritariamente por gordura e, sendo assim, requer uma certa quantidade de lípidos para manter a função no melhor estado possível.

O colesterol tem um papel crítico a nível cerebral, sendo essencial à função dos neurónios e neurotransmissores pelo que, ao contrário do que muitos pensam, níveis baixos de colesterol podem ser mais perigosos do que níveis elevados.

De acordo com o Framingham Heart Study, as pessoas que ingerem maiores quantidades de colesterol apresentam melhores resultados nos testes cognitivos, incluindo pensamento abstrato, atenção/concentração, fluência e execução de tarefas.

Isto significa que retirar a gordura da dieta se pode traduzir numa pior performance na escola ou no trabalho e alterações de humor e é também por esta razão que os melhores alimentos para potenciar a função cognitiva são aqueles mais ricos em gorduras.

Retirar a gordura da dieta: saúde cardiovascular

Por muito que tenha sido dito o contrário ao longo dos anos, os estudos continuam a comprovar que, mais importante que o teor de gordura e colesterol da dieta, é o grau de inflamação o maior preditor de doenças coronárias.

Isto significa que uma dieta rica em açúcares refinados e óleos vegetais processados é mais perigosa do que as gorduras, mesmo as saturadas.

O consumo de ácidos gordos monoinsaturados promove um perfil de lípidos sanguíneos (colesterol e triglicéridos) mais saudável, para além de ajudar a controlar a pressão arterial e a regular os níveis de glicose e insulina.

Um caso clássico é o da dieta Mediterrânica: o elevado conteúdo em gordura na forma de azeite, frutos oleaginosos e peixe pode perfeitamente exceder os 40% do total calórico diário e mesmo assim os benefícios para a saúde são inegáveis.

Retirar a gordura da dieta: alterações hormonais

O colesterol e outras gorduras desempenham um papel fundamental na manutenção das membranas das células e na produção de hormonas.

Uma consequência importante de retirar as gorduras da dieta prende-se precisamente com o aumento do risco de infertilidade e outros problemas hormonais em mulheres. Alguns estudos relataram que as dietas pobres em gordura podem representar um problema nas tentativas de engravidar.

Um estudo de 2007 concluiu que a ingestão de lácteos sem gordura aumenta o risco de infertilidade, mas que os lácteos gordos diminuem esse risco.

Retirar a gordura da dieta: gestão do peso, ingestão alimentar e resistência à insulina

Uma dieta rica em gordura pode ajudar a prevenir a recuperação de peso perdido, uma vez que este nutriente induz maiores taxas de saciedade.

Para além disso, um estudo de 2012 revelou que o grupo que consumiu uma dieta rica em gordura durante 4 semanas gastou mais energia em repouso e melhorou a sua sensibilidade à insulina relativamente às outras dietas.

Por outro lado, o aumento de peso e a resistência à insulina estão intimamente ligados. No entanto, diferentes tipos de gordura podem ter diferentes efeitos na ação desta hormona.

Os estudos demonstram claramente que as gorduras mono- e polinsaturadas melhoram a sensibilidade à ação da insulina, ou seja, gradualmente serão necessárias menores quantidades desta hormona para metabolizar a glicose.

Retirar a gordura da dieta: risco de depressão

As gorduras têm um papel preponderante nas funções cerebrais de controlo do humor logo a ingestão de ácidos gordos essenciais parece ser importante nos estados depressivos.

Alguns neurotransmissores são sintetizados a partir dos ácidos gordos, sugerindo que os produtos de metabolismo das gorduras podem afetar a saúde do sistema nervoso.

Embora a ingestão de gorduras trans possa aumentar o risco de depressão, alguns estudos reportaram uma associação inversa entre a ingestão de ácidos gordos mono- e polinsaturados e o risco desta doença. Por outras palavras, as dietas ricas em gordura podem ser essenciais no combate à depressão e outras doenças do foro psiquiátrico.

Um estudo demonstrou que a suplementação com ómega-3 pode melhorar de forma significativa os sintomas depressivos em humanos e pode constituir uma abordagem terapêutica válida neste tipo de doentes.

Conclusão

As gorduras têm vários papeis chave no organismo. Para além de serem um importante nutriente energético, são parte fundamental do sistema nervoso central e do sistema hormonal e sem elas, a vida não seria possível.

As recomendações para um controlo apertado do teor de gordura da dieta caíram um pouco por terra, uma vez que o que parece importar para a promoção da saúde é o tipo e não a quantidade de gorduras ingeridas.

Óbvio que não podemos esquecer que o valor energético deste nutriente é bem superior ao das proteínas e hidratos de carbono pelo que, se o objetivo é o controlo do peso, deve ter cuidado com a quantidade de gordura ingerida, seja ela boa ou má.

De qualquer forma, está comprovado que retirar a gordura da dieta não vai fazer nada pelo seu coração, pelo seu peso ou pela sua saúde mental.

Se tem dúvidas no tipo e quantidade de gordura que precisa de ingerir, consulte um nutricionista legalmente habilitado para tal efeito.

Fontes

  1. (n.d.) (2015). Dietary Guidelines for Americans 2015-2020. Disponível em: https://health.gov/our-work/food-nutrition/2015-2020-dietary-guidelines/guidelines/
  2. Howard, B. V., et.al. (2006). Low-Fat Dietary Pattern and Weight Change Over 7 Years. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16391215
  3. Howard, B. V., et.al. (2006). Low-Fat Dietary Pattern and Risk of Cardiovascular Disease. Disponível em: https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/202339
  4. Beresford, S. A. A., et.al. (2006). Low-Fat Dietary Pattern and Risk of Colorectal Cancer. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16467233
  5. Prentice, R. L., et.al. (2006). Low-Fat Dietary Pattern and Risk of Invasive Breast Cancer. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16467232
  6. (n.d.) (1982). Multiple risk factor intervention trial. Risk factor changes and mortality results. Multiple Risk Factor Intervention Trial Research Group. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/7050440
  7. Joris, P. J., & Mensink, R. P. (2016). Role of cis-Monounsaturated Fatty Acids in the Prevention of Coronary Heart Disease. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4879159/
  8. Schwingshackl, L., & Hoffmann, G. (2014). Monounsaturated fatty acids, olive oil and health status: a systematic review and meta-analysis of cohort studies. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25274026
  9. Qian, F., et.al. (2016). Metabolic Effects of Monounsaturated Fatty Acid–Enriched Diets Compared With Carbohydrate or Polyunsaturated Fatty Acid–Enriched Diets in Patients With Type 2 Diabetes: A Systematic Review and Meta-analysis of Randomized Controlled Trials. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27457635
  10. Mennella, I., et.al. (2015). Oleic acid content of a meal promotes oleoylethanolamide response and reduces subsequent energy intake in humans. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25347552
  11. Vecka, M., et.al. (2012). N-3 polyunsaturated fatty acids in the treatment of atherogenic dyslipidemia. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23183517
  12. Zivkovic, A. M., et.al. (2011). Dietary omega-3 fatty acids aid in the modulation of inflammation and metabolic health. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24860193
  13. Ellulu, M. S., et.al. (2016). Effect of long chain omega-3 polyunsaturated fatty acids on inflammation and metabolic markers in hypertensive and/or diabetic obese adults: a randomized controlled trial. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26829184
  14. Sublette, M. E., et.al. (2011). Meta-Analysis of the Effects of Eicosapentaenoic Acid (EPA) in Clinical Trials in Depression. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21939614
  15. Harris, W. S. (2006). The omega-6/omega-3 ratio and cardiovascular disease risk: Uses and abuses. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17045070
  16. Raphael, W., & Sordillo, L. (2013). Dietary Polyunsaturated Fatty Acids and Inflammation: The Role of Phospholipid Biosynthesis. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24152446
  17. Ilich, J. Z., et.al. (2014). Low-grade chronic inflammation perpetuated by modern diet as a promoter of obesity and osteoporosis. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24945416
  18. Pimpin, L., et.al. (2016). Is Butter Back? A Systematic Review and Meta-Analysis of Butter Consumption and Risk of Cardiovascular Disease, Diabetes, and Total Mortality. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27355649
  19. Odia, O. J. (2015). Palm oil and the heart: A review. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25810814
  20. Sanders, T.A., et.al. (2013). SFAs do not impair endothelial function and arterial stiffness. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23964054
  21. Iwata, N. G., et.al. (2011). Trans Fatty Acids Induce Vascular Inflammation and Reduce Vascular Nitric Oxide Production in Endothelial Cells. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22216328
  22. Mozaffarian, D., et.al. (2004). Dietary intake of trans fatty acids and systemic inflammation in women. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15051604
  23. Baer, D. J., et.al. (2004). Dietary fatty acids affect plasma markers of inflammation in healthy men fed controlled diets: a randomized crossover study. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15159225
  24. REED, M. J., et.al. (1987). DIETARY LIPIDS : AN ADDITIONAL REGULATOR OF PLASMA LEVELS OF SEX HORMONE BINDING GLOBULIN. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/3558725
  25. Leonard, W.R., et.al. (2010). Evolutionary Perspectives on Fat Ingestion and Metabolism in Humans. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21452485
  26. Gillingham, L. G., et.al. (2011). Dietary Monounsaturated Fatty Acids Are Protective Against Metabolic Syndrome and Cardiovascular Disease Risk Factors. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21308420
  27. Chavarro, J. E., et.al. (2007). A prospective study of dairy foods intake and anovulatory infertility. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17329264
  28. Ebbeling, C. B., et.al. (2012). Effects of Dietary Composition on Energy Expenditure During Weight-Loss Maintenance. Disponível em: https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/1199154
  29. Risérus, U. (2008). Fatty acids and insulin sensitivity. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18301083
  30. Sánchez-Villegas, A., et.al. (2011). Dietary Fat Intake and the Risk of Depression: The SUN Project. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21298116
  31. Grosso, G., et.al. (2014). Role of Omega-3 Fatty Acids in the Treatment of Depressive Disorders: A Comprehensive Meta-Analysis of Randomized Clinical Trials. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24805797
Veja também

Artigos Relacionados